Um jardim aromático

(Este texto foi escrito em Fevereiro de 2020 e publicado em meu antigo site.)

 A descoberta da perfumaria natural, até mais do que a da aromaterapia, despertou em mim uma profunda curiosidade pelos aromas da natureza. Dos mares profundos do esquecimento, ela ajudou a resgatar meu olfato, me lembrando que é preciso, sim, parar para cheirar as flores. Pode parecer bobagem, algo trivial e supérfluo, mas o prazer derivado desses breves momentos é inegualável. Existe um mistério encantador em cada perfume natural e ser atraído até uma flor por esse chamado olfativo é uma coisa mágica.

 
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Sentada à noite à minha mesa, sou fisgada de súbito pelo aroma inebriante do jasmim do vizinho. O ar quente da noite de verão torna-se ainda mais abafado com a doçura de seu perfume. Por um instante, me deixo esquecer do que estou fazendo para só aproveitar essa delícia. 
O perfume traz consigo mil histórias de amor... beijos furtivos à noite em um jardim, o olhar sonhador do amante pela janela imaginando, carregado pelo aroma envolvente e sedutor, todas as volúpias que o aguardam, o querer, o desejar... o jasmim inspira puro prazer. 
Não à toa, seu óleo essencial seja tão indicado para o tratamento de quadros depressivos, falta de libido e desânimo generalizado... É um aroma que chega na noite, que nos inspira e aconchega mesmo em momentos de escuridão, nos levanta e nos põe a sonhar e desejar. 

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O verão acabou e chegamos ao outono. Meu limoeiro, no entanto, resolve me surpreender com uma florada... dia após dia, os botões crescem, um degradê suave do branco ao rosa em cada um. A expectativa pelo incrível cheiro de suas flores vai crescendo, enquanto a memória tenta reconstruir a delícia que já conhece. Ela abre, finalmente, e corro para cheirá-la. Tão deliciosa, mas o olfato parece ser um sentido insaciável. A gente cheira, mas o aroma permanece inefável, não se deixa deter nem apreender de fato... 
É um aprendizado se deixar tocar e ter o desapego para saber que aquilo não irá durar. As flores murcham, morrem, e nos resta somente a lembrança do prazer que nos proporcionaram, esse prazer difuso e delicioso... 



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Quando li sobre as flores de tuberosa, a descrição de seu aroma me encantou. Queria poder sentir esse perfume tão usado na perfumaria e descrito como tão incrível. O preço, no entanto, tornava a experiência inacessível... Como forma de contornar isso, resolvi encomendar alguns bulbos da planta. 
Quando chegaram, plantei todos e, há semanas, tenho observado seu crescimento, regando, cuidando, ansiando. Os botões se formaram lentamente, pequenas bolinhas verdes que foram se desdobrando até se tornarem brancas e leitosas. Todo dia ia cheirá-las para ver se já me ofereceriam algum sinal de seu perfume... nada... 
Esta semana, finalmente elas abriram! De manhã olhei o vaso e lá estava, uma florzinha linda aberta, me convidando a apreciá-la. Qual não foi minha surpresa em descobrir um cheiro pungente, picante, com notas verdes muito difusas e só um leve fundo floral e adocicado. Um pouco decepcionada, me afastei e fui ver minhas gardênias. 
À noite, cozinhava e, de repente, serpenteando por entre os cheiros de tempero, chegaram notas doces e lindas que nunca havia sentido antes. Fui flutuando atrás do meu nariz para descobrir o que era... ao pisar do lado de fora, o quintal parecia menor... o aroma da tuberosa havia preenchido maciçamente o espaço, adocicando tudo e enchendo o ar de pura magia... E em meio àquela delícia, a súbita melancolia de pensar que logo elas também desapareceriam e eu seria privada até a próxima floração de seu brilho. 
Há uma ambiguidade interessante no prazer encontrado na natureza... o deleite parece ser acompanhado sempre pela melancolia de sabê-lo fugaz. 

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Tenho sentido a presença dos perfumes que cultivei no jardim como uma série de visitas. No isolamento intenso da quarentena, as flores aparecem de surpresa com seu aroma para dar um pequeno olá. O dia parece mais alegre quando vêm, como se aqueles aromas nos abraçassem e acalentassem a nossa alma inquieta. Em meio a tanta incerteza e injustiça, no torvelinho da calamidade, a natureza é uma mãe, que nos acolhe e mostra que, mesmo que o nosso modo de viver seja esfacelado, ela ali permancesse eterna e serena em seus ciclos. É dela que podemos, talvez, resgatar a sensação de establidade e segurança, uma certa esperança de que, como as flores que vêm e vão, isto também passará.  



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