Exercícios Olfativos – uma viagem no reino do nariz




O olfato é um sentido maravilhoso, capaz de trazer  inspiração e mistério, de criar atmosferas inteiras com um mínimo de estímulo... Um simples aroma, como aquele de um chá, pode nos levar a uma viagem riquíssima em experiencias, nos vinculando a culturas antigas e remotas, a saberes ancestrais, a universos interiores de ficção e deleite excepcionais... 

Retomando a tradição do Kodo japonês, para nos permitir a viagem, é primeiro preciso saber ouvir nosso nariz. 
Em todas as introduções à perfumaria botânica que encontrei, esta é a primeira lição: como reaprender a cheirar. O ato em si pode ser revestido de mais ou menos magia, o faro como símbolo de uma liberdade instintiva afogada em meio ao mundo moderno*, ou como instrumento chave para a construção de perfumes, independente da leitura dada, é unânime que ele é tanto essencial quanto é treinável. 
Na verdade, treinável talvez não seja a melhor das expressões, porque este é o único sentido que somos incapazes de condicionar. Diferente dos demais (o toque, o paladar, a audição...), o olfato é recebido diretamente por nosso sistema límbico, a parte mais "primitiva" do nosso cérebro, responsável pelas nossas memórias e nossas emoções. O estímulo olfativo, portanto, não nos chega filtrado por nenhuma racionalidade, ele nos atinge em cheio e justo onde mais nos comove... 
Me parece um verdadeiro ato de rebeldia querer cheirar e ouvir o que nosso nariz traz de manifestação. Em uma cultura tão cartesiana como a nossa, se permitir experimentar algo só como corpo e emoção, sem qualquer racionalidade mediando a experiência, é um desafio pessoal, sim, mas é também quase uma afronta àquilo que nos é imposto como modelo de comportamento. 
A experiência não mediada pela razão, por outro lado, não necessariamente equivale a verdades. A antropóloga Annick Le Guérer**, por exemplo, nos mostra como nossa reação a diferentes aromas pode ter um fundo moral (o bem é perfumado e o mal fede), social ("cheiro de rico" e "cheiro de pobre") ou cultural ( o estranhamento causado por aromas de outras culturas). Ou seja, nosso gosto por determinado estímulo olfativo pode ser resultado de um construto cultural, da interiorização de certos conceitos que associamos a cheiros "representativos". Aprender a cheirar, no contexto da perfumaria botânica ( e da aromaterapia também) é conseguir ir além das questões de gosto e se permitir a abertura para experimentar cada cheiro em toda a sua complexidade. 

Longe de me considerar plena em minhas experiências olfativas (falta-me ainda muito treino), tive a sorte de ter contato com os aromas há algum tempo por meio da aromaterapia. Quando cheguei na perfumaria, no entanto, percebi o quanto ainda havia de caminho para conhecer de fato os aromas. Gradualmente, cheirando um pouco todos os dias, fui descobrindo caminhos de acesso a eles,  formas de investigação de suas nuances, formas de percepção de seus efeitos... Aprendi como deixar o olfato passear livremente pela imaginação, pela memória... 

A viagem pelos aromas tem sido tão rica que tenho constantemente ansiado por partilhar dela com os outros... Com esta intenção em mente, pensei alguns exercícios ( na verdade, gosto de chamá-los mais de brincadeiras) que podem ajudar nesta empreitada. 
Cada um deles está voltado para a expansão de uma das facetas de cada aroma ( tratei delas em mais detalhes no post "perfumaria botânica - uma introdução), e pode ser praticado com qualquer elemento aromático natural que tiver a disposição. Para não ficar um só texto gigantesco, separei as brincadeiras em diferentes posts seguindo o roteiro abaixo: 

1. Um passeio pelo aroma

2. A viagem interior

3. Um mapa de sensações

Também, algo que acho de extrema importância, preparei um pequeno texto sobre o diário aromático e como começar o seu próprio. O link é este daqui.

* Perfumaria Ancestral - Palmira Margarida
** Scent: the mysterious and essential powers of smell - Annick Le Guérer. 

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