Ylang Ylang - a flor das flores


 

A primeira vez que senti o aroma do Ylang Ylang, fiquei horrorizada... minha impressão era de um cheiro de coisa antiga, de ar parado, casa fechada e abandonada por muito tempo. Conseguia achar o pó acumulado do tempo naquele cheiro... ainda por cima, era doce, terrivelmente doce. 

Compartilhei o aroma com outras pessoas, gostava de escolhê-lo como parte da avaliação olfativa para ver a reação de cada um a esse cheiro que me causava repulsa. Para o meu alento, a maioria também o achava odioso, sufocante... 
Dentro da aromaterapia, no entanto, o ylang é considerado um óleo que trabalho o auto-amor, a auto-estima, a leveza, a sensualidade e o desejo de viver – a repulsa a ele, para algumas correntes, poderia ser interpretada como um indicativo de eventuais questões com a sexualidade, por exemplo, ou de algum desânimo mais profundo em relação à vida. A mim, na época, parecia impossível aceitar que o problema fosse meu quando o cheiro do ylang era tão horroroso...
Pesquisando, sempre chegava às mesmas informações: a "flor das flores", além de ser um dos ingredientes mais importantes da perfumaria (pela robusta complexidade de seu aroma e por sua disponibilidade), simbolizava só coisas boas... Gabriel Mojay o considera um óleo capaz de unir corpo e mente, sensação e emoção, tanto interna quanto externamente. Ele relaxa e prepara para a abertura, para a entrega, enquanto também estimula a busca pelo prazer sem culpa, com leveza. É um óleo essencial lindo, que fala sobre a sensorialidade, sobre a possibilidade de se abrir para e sustentar o prazer e a felicidade sem medo. É um óleo de entrega e de deleite. 
Foi somente por meio da perfumaria natural que consegui finalmente entender e aceitar o ylang como aroma. Dois fatores foram fundamentais no processo: primeiro, a insistência da minha professora para que eu conseguisse me desvencilhar das amarras do meu gosto pessoal e conseguisse olhar para o ylang de outras formas. Tomei isso como ponto de partida e, logo de início, tentei usá-lo em variadas fórmulas, procurando facetas diferentes dentro daquilo que, guturalmente, me repugnava. A distância criada com o silenciamento do eu foi essencial nessa jornada. Conforme explorava seu aroma, ia me entregando e abrindo para a experiência (justamente o que o óleo aparentemente trabalha...), sua doçura ia ficando menos abrasiva, suas notas verdes menos sufocantes e estranhas... Durante o período também li o livro da Mandy Aftel, "Fragrant", no qual ela fala da ambiguidade do aroma de algumas flores – de sua natureza indólica (fecal). Na flor, segundo ela, o belo e o feio caminham juntos e se amparam mutuamente, e buscar um implica necessariamente em aceitar o outro. 
Essa complexidade quase filosófica dentro da estrutura dos aromas possibilitou uma nova via de acesso a essas matérias primas todas. Enxergar o potencial de cada óleo, com seu belo e seu feio, sem que o gosto pessoal se projetasse como barreira pré-estabelecida, essa foi talvez a maior lição com o ylang. 

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O aroma do ylang ylang é uma viagem de verão à praia. Na fita olfativa, quando fechamos os olhos e o deixamos entrar ( principalmente o ylang III, que tem mais notas verdes), sentimos o agradável cheiro de um corpo que se banha no sol. Pequenos grãos cintilantes de areia piscam sobre a pele morena, com uma tênue camada de suor sobre a penugem delicada. O céu azul, sem nuvens, imenso... a tonalidade amarela que a luz solar entrega às coisas e as sombras escuras e frescas que ela projeta. 
Mas o que importa é o cheiro de corpo, de nudez suada e deleitosa... está na combinação desta sua faceta com a doçura leitosa de seu aroma seu poder afrodisíaco... ele nos chama de volta à sensorialidade, ao carnal, sem qualquer culpa ou receio. Isto não significa que ele nos remete diretamente ao sexo mas, sim, à dimensão corporal que envolve a nossa existência e a nossa possibilidade de prazer – seja ela por meio do sexo ou, simplesmente, na aceitação do nosso corpo como lugar de deleite sensorial. 
A história da humanidade nos conta de inúmeras vezes nas quais o deleite do corpo foi mal visto, geralmente colocado em oposição ao deleite mental. Corpo e mente em oposição, ceder aos caprichos da mente era sempre um sinal de enriquecimento humano, enquanto ceder ao corpo representava um retorno ao estágio animal. Com o modernismo, esta oposição fica ainda mais arraigada, a razão vence, de uma vez por todas, a batalha do status intelectual... ser moderno é ser mental. 
O deleite sensorial, no entanto, é algo tão simples e sempre tão mal visto... imagino que isso deriva da relação que é feita com o sexo (também tão mal visto...). Para além do sexo (algo perfeitamente normal e válido como fonte de prazer), ainda podemos experimentar o deleite de tantas outras formas... os sentidos são uma contínua fonte de delícias. Ver uma obra cheia de beleza, beleza imediata e sensorial: a interação das cores, das texturas, como elas ressoam no corpo e ecoam sensações. Sentir a água quente de um banho sobre a pele, ou o calor do sol num dia de inverno, a textura do lençol macio quando deitamos na cama, ou mesmo o peso do nosso corpo sobre o colchão quando nos entregamos ao sono. Ouvir o som da água, do mar, do vento, da chuva, perceber o que esses sons instigam dentro do corpo, ouvir uma música, deixar o corpo reagir a ela, como arrepio, como dança, como canto. Sentir o aroma das coisas, de uma flor que se abre, de uma comida deliciosa que acaba de ficar pronta, de alguém que gostamos... depois tentar lembrar desses cheiros e deixar que a atmosfera que eles transportam nos abrace e acolha. 
Estar atento ao corpo é estar presente de forma plena, aberta e perceptiva, pronta para a interação, e é isso que o ylang, a meu ver, desperta. Ele nos traz de volta ao nosso corpo lembrando-nos de seus aromas e de todo o seu potencial de prazer, de descoberta e entrega. 

Como afrodisíaco, todas estas características importam – entrega e abertura, libertação do medo e da culpa, e principalmente presença e alegria... 

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Depois de todo o percurso de aprendizagem com este óleo, ele acabou se tornando um de meus preferidos. No meio do cataclisma de uma pandemia, o ylang surge para nos lembrar que existe refúgio dentro de nós mesmos, dentro das nossas relações com os outros, ele aquece, instiga e acalenta. Nos enche de desejo vago, uma espécie de inspiração genérica da qual podemos tirar forças e ânimo. 
Tentei captar um pouco da beleza deste aroma com a criação de um soliflor em sua homenagem. A combinação foi audaz... partiu da união de dois aromas à qual minha professora havia feito referência, ylang e canela, e que são indicados como estimulantes da libido pela aromaterapia.
A doçura voluptuosa da canela nos enche a boca de água enquanto sua picância característica nos aquece. Misturada ao ylang, a picância se une às notas verdes de fundo do floral e aprofunda a complexidade sobre a qual se assenta a doçura. No topo, para não espantar, uma nota cítrica que expande as memórias de um verão delicioso, com fruta fresca no pé... É um conjunto simples, mas surpreendentemente eficiente no estímulo dos sentidos. 

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